Wednesday, July 2, 2025
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Governança é base para políticas ESG | Brasil

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No começo do ano, o presidente americano, Donald Trump, suspendeu a vigência da Lei das Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA, na sigla em inglês). A ideia da ordem executiva period tirar amarras das empresas americanas para alavancarem suas receitas em países estrangeiros, sem ter de se preocupar com sanções legais em casa. A medida foi vista como um sinal de tempos difíceis para as instituições reguladoras e para as boas práticas de governança corporativa.

“As empresas reagem aos estímulos do mercado e dos governos. O mercado estimula com a promessa de ganhos e o governo, pela ameaça de sanções”, explicou Marcelo Trindade, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no painel “G de Governança: Crise de Confiança Institucional”, no “Fórum Ética e Compliance”, promovido pelo Valor na quinta-feira (26), em São Paulo.

“Hoje, vivemos um momento de instabilidade nesses dois polos. Isso desestimula a busca por governança. Mas isso é uma fase. As leis continuam em vigor e as empresas precisam olhar para o longo prazo”, continuou Trindade. Segundo ele, as empresas brasileiras devem permanecer atentas ao tema. “Os riscos continuam os mesmos e precisamos enxergar a governança como a base para que os demais pilares do ESG aconteçam.”

Ricardo Lamenza: "A governança não pode ser só fazer discurso bonito e patrocinar ONG” — Foto: Gabriel Reis/Valor
Ricardo Lamenza: “A governança não pode ser só fazer discurso bonito e patrocinar ONG” — Foto: Gabriel Reis/Valor

Também presente ao painel, Carolina Junqueira, diretora de Riscos e Compliance do Grupo Globo, acredita que recuos podem sinalizar para algumas empresas que o ESG falhou e que é hora de repensar agendas de diversidade e inclusão, por exemplo. “É como uma licença para abandonar um discurso em que essas empresas não acreditavam genuinamente.”

Para Junqueira, recuos em relação a políticas de ESG, especialmente no campo de diversidade, equidade e inclusão, tornam ainda mais importantes as estratégias de governança. Em primeiro lugar, porque o G da governança é a base para as demais políticas socioambientais. Em segundo, porque se trata de um tema menos ideologizado e por isso menos polêmico. “Todo mundo precisa de uma boa estrutura de decisão e isso passa necessariamente pela governança corporativa, independentemente de posição ideológica”, apontou.

Marcelo Trindade: “Empresas reagem aos estímulos do mercado e dos governos” — Foto: Gabriel Reis/Valor
Marcelo Trindade: “Empresas reagem aos estímulos do mercado e dos governos” — Foto: Gabriel Reis/Valor

A pressão para afrouxar as regras socioambientais não acontece apenas nos EUA. Especialista em direitos humanos no ambiente corporativo, o advogado Luiz Carlos Faria Júnior, do escritório TozziniFreire, observou que embora a legislação europeia tenha avançado nos últimos anos, com a aprovação de diretrizes de sustentabilidade corporativa, há um movimento claro de resistência no Parlamento Europeu. “Há um pacote em votação para recalcular a rota e afrouxar essas diretrizes”, afirmou.

Faria Júnior destaca, no entanto, que não se trata ainda de uma resistência generalizada do mercado europeu contra a incorporação dos direitos humanos à agenda corporativa. “Boa parte das empresas europeias entende que a legislação é boa para a concorrência, assim como as estruturas de governança mais sólidas”, observou. “Esse apoio é um sinal de que há um caminho a ser seguido, mesmo em um período de crise de confiança.”

Luiz Faria Júnior: “Há um caminho a ser seguido, mesmo em um período de crise” — Foto: Gabriel Reis/Valor
Luiz Faria Júnior: “Há um caminho a ser seguido, mesmo em um período de crise” — Foto: Gabriel Reis/Valor

Trindade disse que vê menos disposição do Judiciário e do Ministério Público brasileiro para o combate à corrupção, com o fim da Operação Lava-Jato. “Tem havido menos demanda de investigação. Isso poderia ser um sinal de que a corrupção arrefeceu ou de que há uma visão de preservar as empresas, para não afetar a economia”, afirmou. “O problema é que as empresas veem nisso um sinal verde para se arriscar mais, já que não haverá sanção sobre o patrimônio da empresa ou do acionista e só os administradores serão punidos se o caso chegar à Justiça.”

Ricardo Lamenza, vice-presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), observou que a crise de confiança é reflexo de um paradoxo. “Nunca se falou tanto em governança, mas ao mesmo tempo vemos as instituições de controle falharem constantemente”, afirmou. Para ele, o motivo é um descompasso entre o que se diz e o que é feito por instituições e empresas.

Carolina Junqueira: “Podemos ocupar  um espaço no resgate da confiança nas instituições” — Foto: Gabriel Reis/Valor
Carolina Junqueira: “Podemos ocupar um espaço no resgate da confiança nas instituições” — Foto: Gabriel Reis/Valor

Já Junqueira afirmou que a erosão da confiança não atinge apenas as instituições públicas, mas também o setor privado. E isso traz sérias consequências para toda a sociedade. “A confiança é um fator civilizatório. Um país tem moeda forte porque é confiável. Um sistema financeiro é sólido porque as pessoas confiam nele.”

Junqueira avaliou que as empresas privadas devem trabalhar pela recuperação da confiança institucional na sociedade. “Seja pela capacidade técnica ou econômica, a sociedade espera isso do setor privado”, disse. “Não é que as empresas privadas irão resolver problemas eminentemente públicos, mas podemos, sim, ocupar um espaço no resgate da confiança pública nas instituições e, nesse sentido, a governança seria o aspecto prático dessa confiança.”

Mas, as empresas estão preparadas para esse papel? Para Lamenza, “é evidente que há empresas mais bem preparadas que outras”. Consequentemente, isso significa que há um grande espaço para melhoria na governança corporativa privada. “É só observar as crises ao longo dos anos, não apenas em um passado recente.”

Faria Júnior observou, então, que o desafio da governança aumenta à medida que as cadeias produtivas ficam mais complexas. “As grandes empresas precisam ficar muito atentas para os riscos envolvendo seus fornecedores”, disse. “Se um fornecedor é acusado de usar trabalho análogo à escravidão, isso atinge a empresa, mesmo que ela não esteja diretamente envolvida.”

Trindade, por sua vez, destacou que as empresas de menor porte têm muita dificuldade para lidar com os desafios de governança. Especialmente aquelas que estão fora do universo regulado das companhias listadas em bolsa. “Uma pequena empresa achacada por um fiscal de prefeitura, geralmente não tem a quem recorrer”, exemplifica.

Para Lamenza, adotar boas práticas de ESG exige que as empresas estejam bem estruturadas em todos os níveis, inclusive em seus conselhos de administração. O que muitas vezes não acontece. “Estar em um conselho não é só dar opinião, é estudar, é entender de fato o que é a governança”, afirmou.

O despreparo, na visão de Lamenza, muitas vezes resulta de um olhar superficial para a governança corporativa. “É como a pessoa que vai ao museu, olha uma obra, mas não enxerga a beleza do quadro”, comparou. “Precisamos de um olhar mais profundo para não cair no discurso vazio. A governança não pode ser só um discurso bonito e o patrocínio a uma ONG.”

Promovido pelo Valor, o “Fórum Ética e Compliance” contou com patrocínio da Ambipar e apoio do Grupo Globo.

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