Wednesday, July 23, 2025
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Advogada à frente da  Orquestra Sinfônica Brasileira quer romper a ideia de que a música clássica é ‘uma coisa antiga’ | Eu &

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A advogada, CEO da Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira (Fosb) desde 2016 e vice-presidente do conselho curador da OSB a partir de 2021, havia acabado de se reunir com a equipe de um aplicativo de criação musical. A ferramenta, coincidentemente desenvolvida por brasileiros, usa a inteligência synthetic para isolar instrumentos musicais e alterar o ritmo de peças musicais.

O recurso facilita o aprendizado musical e pode contribuir na produção artística de concertos que envolvem dezenas de artistas e vários naipes, como os de uma orquestra sinfônica. Cabral explica que a tecnologia também permite que instrumentistas de diferentes partes do Brasil participem remotamente de concertos no Rio de Janeiro, onde a orquestra está sediada, mas adianta que está de olho em uma funcionalidade ainda mais disruptiva da ferramenta.

“Estamos pensando em criar um concerto em que a gente possa cantar com cantores que não estejam aqui, mas a voz é reproduzida por inteligência synthetic”, revela.

Com base em gravações existentes, o aplicativo é capaz de reproduzir a voz de pessoas que já morreram. Tecnologia semelhante foi usada para capturar a voz de John Lennon na última canção dos Beatles, “Now and Then”, lançada em 2023 a partir de uma gravação iniciada há 40 anos, e na restauração de gravações originais usadas no documentário “Elis e Tom”, de 2022, que conta os bastidores das gravações do disco homônimo.

A CEO reconhece que a proposta causa estranheza, principalmente no meio da música clássica, mas diz ter a ambição de que seu período à frente da OSB dê continuidade ao pioneirismo que marcou a orquestra ao longo de oito décadas e meia de história.

Para este “À Mesa com o Valor”, Cabral escolheu o Bistrô do Paço, localizado dentro do histórico Paço Imperial, antiga residência da família imperial transformada em centro cultural. O prédio imponente fica na praça XV, a uma quadra do escritório onde funciona a sede administrativa da orquestra, na avenida Rio Branco, no Centro do Rio.

Ela, que trata as funcionárias do restaurante pelo nome, diz que sempre almoça no bistrô quando está no escritório. “Eu amo este lugar. E é o único lugar onde eu consigo ouvir essa trilha sonora”, diz, chamando atenção para a música clássica, inicialmente abafada pelo falatório do horário de almoço, que vai se revelando ao longo da entrevista, enquanto repórter e entrevistada degustam frango ao molho de mostarda com batata recheada e salada, acompanhado de água com gás e cafés após a refeição.

“Eu mudei o nome de maestrina para maestra porque maestrina tem o diminutivo” — Foto: Leo Pinheiro/Valor
“Eu mudei o nome de maestrina para maestra porque maestrina tem o diminutivo” — Foto: Leo Pinheiro/Valor

A orquestra, fundada em 1940 pelo maestro paraibano José Siqueira, foi a primeira do país a viajar em turnês, inclusive no exterior, e a apresentar composições inéditas de brasileiros. Também inovou com apresentações ao ar livre que unem música clássica à well-liked, como o projeto Aquarius, promovido pelo jornal “O Globo”. A edição de 2024 reuniu a Orquestra Sinfônica Brasileira e as cantoras Adriana Calcanhotto, Luedji Luna e Xênia França em apresentações na praça Mauá, no Rio (em São Paulo, a apresentação foi da Orquestra Experimental de Repertório).

“E o que é fazer o novo nesse momento? É a tecnologia, sim. E eu quero muito que a gente trabalhe para romper a ideia de que a orquestra sinfônica é uma coisa antiga. É a tradição abraçando o futuro”, ressalta.

Sob a gestão de Cabral, de 43 anos, a OSB também busca abraçar a diversidade, seja catapultando mais mulheres para posições de liderança ou por meio de projetos como a OSB Jovem, que emprega músicos de 16 a 30 anos em um programa de dois anos, e o Conexões Musicais, que leva a música clássica para projetos sociais e escolas públicas de diferentes partes do país.

Cabral reconhece que o meio da música clássica ainda é masculinizado – na OSB as mulheres representam 15% do corpo de 74 músicos -, mas ressalta que as musicistas da sinfônica têm se destacado na liderança do grupo, o que pode ter sido impulsionado pela representatividade na administração.

A Orquestra Sinfônica Brasileira é hoje a única do mundo com duas spallas – Gabriela Queiroz e Priscila Rato. O termo de origem italiana, que significa ombro, batiza o primeiro-violino de uma orquestra, “braço direito” do regente no concerto. “Esse chefe geralmente é homem, e a gente tem duas mulheres. Isso é único no Brasil, no mundo.”

Os violoncelos e os tímpanos da OSB também são comandados por mulheres, as musicistas Emilia Ivova Valova e Fernanda Kremer. “Toda temporada começa com o concerto de mulheres na música, é uma marca da nossa gestão, em que a gente fala das compositoras, das maestras”, diz.

O termo maestra, no lugar de maestrina, foi uma inovação da executiva. “Eu mudei o nome de maestrina para maestra porque maestrina tem o diminutivo. A gente passou a chamar maestra, e a moda pegou. Todo mundo agora fala maestra no Brasil”, conta, orgulhosa.

Ela diz acreditar que o principal entrave para as mulheres na música clássica é o acesso tardio à educação musical, que ainda se reflete na composição atual das sinfônicas pelo mundo. Além de demorar mais a se educar do que os homens, as primeiras musicistas ficaram restritas a piano e harpa e eram proibidas de tocar fora de casa. “Tudo isso foi atrasando o acesso das mulheres ao universo da música”, diz. “Elas não tinham nem banheiro nas orquestras, tinham que se trocar junto com os homens.”

Ana Flávia Cabral no sítio São Francisco do Cedro, no interior de São Paulo — Foto: Divulgação
Ana Flávia Cabral no sítio São Francisco do Cedro, no inside de São Paulo — Foto: Divulgação

No Oscar deste ano, o prêmio de melhor documentário de curta-metragem foi para “The Solely Lady within the Orchestra” (A única garota da orquestra), que conta a história da contrabaixista Orin O’Brien, primeira mulher a integrar a Filarmônica de Nova York, em 1966. A falta de um vestiário feminino é um dos dilemas abordados no filme.

“Essa mulher foi uma pioneira. Eu hoje estou numa posição me beneficiando de mulheres que vieram antes, como ela e como as próprias musicistas da OSB. A gente, infelizmente, paga um preço por abrir essas portas, mas ao mesmo tempo esse é o nosso legado como mulheres.”

Conforme as mulheres foram conquistando mais espaço na música, vieram outras dificuldades, como conciliar a carreira com a vida pessoal, uma vez que os cuidados com a casa e a família são, ainda hoje, vistos como atribuições femininas.

“Essas barreiras foram sendo vencidas com uma entrega para o time, para o conjunto, sem o exercício de algumas outras realidades de uma mulher. Então há mulheres que não se casaram, não tiveram filhos, porque o instrumento exige muito tempo”, diz.

As mulheres na gestão de uma orquestra, por sua vez, “demoraram ainda mais”, diz Cabral ao citar as poucas pares no mundo, como Deborah Borda, ex-diretora da Orquestra Filarmônica de Nova York e a primeira mulher a comandar uma grande orquestra americana.

“Para esse tipo de competência eu precisei somar muita experiência, muita jornada, muito trabalho. Então exigiu muito de mim também. Eu tenho uma filha de 16 anos, e se ela quiser dizer que eu fui uma mãe ausente, ela pode. Mas ela é muito parceira.”

Sobre as dificuldades de se firmar como uma mulher comandando a administração de uma das orquestras mais tradicionais do país, Cabral diz que não teve dificuldades por ter vindo do mundo jurídico, também muito masculinizado, e ter sido criada em um ambiente rural – a fazenda da família, no inside de São Paulo.

“Eu ando a cavalo desde um ano de idade, então eu sempre estive envolvida ou convivi em ambientes muito masculinos. Não foi exatamente um desafio. Mas eu vejo tantas coisas positivas em ser uma mulher e uma mulher com esse preparo, além de olhar os homens como homens aliados.”

Com a filha Manuela, hoje com 16 anos: “Ela é muito parceira” — Foto: Divulgação
Com a filha Manuela, hoje com 16 anos: “Ela é muito parceira” — Foto: Divulgação

Ela lembra com carinho do primeiro chefe em um escritório de advocacia na avenida Paulista, onde começou a trabalhar no “primeiro dia de faculdade”. Como ainda estava no primeiro período, o máximo que conseguiu foi uma vaga de workplace boy com um salário de R$ 300. Ela já tinha a experiência por ter trabalhado como workplace woman do escritório da mãe na adolescência, mas faltava conhecer os caminhos de uma cidade grande.

“Ele me deu um emprego, mas falou: ‘Bom, você é um pouco caipira demais’. E me levou para conhecer São Paulo inteira, de trem e metrô. Nessa época eu só tinha dois sapatos e dois ternos que minha mãe comprou na José Paulino [tradicional rua de comércio popular em São Paulo]”, lembra.

Das primeiras experiências em grandes escritórios, porém, traz outras recordações amargas. Uma delas é o episódio em que os colegas, todos homens, a fizeram subir 20 andares de escada – e salto alto – até o heliponto do prédio para entregar um documento para um dos sócios. A missão period, na verdade, um “trote”. Não havia helicóptero, sócio ou contrato de verdade.

“Chegando lá em cima, a porta não abria. No que voltei para a sala, todo mundo ria da minha cara. Não tinha helicóptero nenhum, doutor fulano nenhum. Period só um trote. Essa foi a história suave, tem outras horrorosas. É o tipo de coisa que eu não gosto de falar, mas que infelizmente a gente passa mesmo.”

Cabral cresceu na fazenda da família em Amparo (SP), município de 70 mil habitantes a 60 km de Campinas, onde conta que ainda bebê passeava de jipe na roça de milho. Saiu de casa aos 17 anos para morar em Brasília, sonhando com a carreira diplomática.

Acabou não passando no vestibular, mas não esquece que foi na capital federal onde viu, ou melhor, ouviu uma orquestra ao vivo pela primeira vez.

“Um amigo ganhou um ingresso do tio e perguntou se eu queria ir. Só que period uma ópera, e a orquestra toca no fosso. Então a primeira vez que eu vi [uma orquestra], na verdade eu ouvi”, lembra aos risos.

A música, porém, sempre esteve presente no convívio acquainted por meio das tias, que tocavam violino e piano, e da mãe, que se formou em acordeão no Conservatório de Campinas. Poucos anos depois, aos 19 anos, assistiu pela primeira vez à Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), na qual foi trabalhar em 2005.

Com os pais na formatura em direito na PUC-SP, em 2005 — Foto: Divulgação
Com os pais na formatura em direito na PUC-SP, em 2005 — Foto: Divulgação

“Quando eu fui trabalhar lá, eu nem acreditava. Eu sou o verdadeiro produto da formação de plateia”, diz ela sobre o movimento que pretende impulsionar through projetos de educação musical da orquestra realizados em 11 estados e 38 municípios do país.

“Como que a pessoa vai valorizar uma coisa que ela não aprendeu que tem valor? Como que ela vai buscar uma coisa que ela nem sabe se existe? Pelo menos 40% da plateia é público de formação de plateia sempre”, diz.

Hoje sua playlist se divide entre música clássica, mantras de meditação e jovens artistas da música well-liked brasileira. “A gente está sempre criando esses reveals grandões, como Aquarius e o Rock In Rio, então estou sempre pesquisando.”

Emblem que se formou em direito na PUC-SP, foi chamada para participar da gênese da Fundação Osesp, organização social que passou a administrar a orquestra paulista, cuja criação foi capitaneada pelo maestro John Neschling e por personalidades como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, os economistas Pedro Malan e Pérsio Arida e o empresário Pedro Moreira Salles, entre outros, para gerir a orquestra paulista.

O período no jurídico da Osesp, de 2005 a 2011, resultou no livro “O caso da Osesp”, escrito a partir da dissertação do MBA em gestão de bens culturais pela FGV. “Tudo que eu estudei no direito, eu aprendi verdadeiramente na cultura. A música é a soma de todos os paralelos da minha vida”, diz.

Depois, atuou no governo e na prefeitura de São Paulo, até ser nomeada secretária de Planejamento e Orçamento do Ministério da Cultura (MinC), cargo que ocupou entre 2015 e julho de 2016, durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

“Fiquei em um período muito interessante da gestão cultural e seus desafios no Brasil, em que existia MinC, não existia MinC, depois existia MinC de novo. Isso também é muito importante para refletirmos ainda mais sobre qual é o papel da cultura nessa sociedade.”

Ela se refere ao período em que o então presidente em exercício Michel Temer extinguiu o Ministério da Cultura e o transformou em uma secretaria incorporada ao Ministério da Educação. Após forte reação de produtores culturais e da classe artística, o governo Temer recuou e recriou a pasta.

A experiência acumulada na área cultural e a participação na Osesp permitiram que ela fosse convidada pelo conselho da Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira (Fosb), a estrutura institucional responsável pela governança e contratação dos corpos artísticos. O convite a Cabral foi feito por telefone pelo presidente da fundação, Eleazar de Carvalho, filho do maestro homônimo (1912-1996). “A Ana foi um achado. Ela mistura paixão com profissionalismo e determinação. Ela vestiu a camisa e está envolvida na solução dos nossos problemas e na consumação dos acertos”, diz Carvalho.

Para Cabral, o tempo no executivo federal também permitiu conhecer mecanismos de fomento por meio dos quais são captados todos os recursos da OSB atualmente, como a Lei Rouanet, a lei do ICMS, do governo estadual, e a do ISS, da Prefeitura do Rio.

Ela considera que há mecanismos “incríveis” na descentralização de recursos culturais no país, mas que falta uma agenda programática e estratégica que encare a cultura “como um projeto de identidade do país”. “A cultura está muito fragmentada”, avalia.

Cabral transita na ponte aérea Rio-São Paulo. Na capital fluminense, além de gerir a OSB, dá aula na faculdade de direito da Fundação Getulio Vargas, escola na qual ministra a disciplina “música e direito”. Tem como principal referência o livro “Paralelos e paradoxos”, que traz registros de conversas sobre música, arte e sociedade entre o crítico palestino Edward Stated e o pianista judeu Daniel Barenboim.

“É uma referência importante que cria esses paralelos entre a música e o processo da sociedade”, diz ela, que vê a orquestra como uma “microssociedade”.

“São muitas pessoas convivendo, trabalhando juntas, que precisam se ouvir, que precisam se respeitar. Respeitar o tempo certo de tocar, respeitar a altura certa para que a sinfonia aconteça. A música não acontece se você não fizer a sua parte dentro daquela sociedade. A dinâmica da orquestra muito se assemelha à dinâmica social.”

Para chegar ao ponto de vislumbrar o futuro, a OSB precisou acertar as contas de um passado recente. Cabral chegou à orquestra no fim de 2016, com a missão de conduzir o plano de reestruturação e inovação da instituição, que atravessava uma grave crise financeira.

Em termos práticos, period preciso quitar dívidas e negociar a folha de pagamento de músicos e funcionários administrativos, que chegaram a ficar nove meses sem receber. Com a falta de apoio público e a fuga de patrocinadores privados em meio à crise econômica que afastou as empresas de iniciativas culturais, as dívidas registradas em balanço totalizavam R$ 21 milhões em dezembro de 2016, quando Cabral assumiu o cargo de CEO.

“A gente chegou a ter músico fazendo Uber, músico que perdeu o apartamento porque não pôde pagar IPTU, que perdeu o carro, criança que teve que sair da escola porque não tinha como pagar matrícula, mensalidade da escola”, relembra.

“Eu e o Fabiano [Cassanelli, diretor administrativo-financeiro que a acompanhou neste “À Mesa com o Valor”] passávamos a noite no escritório porque não tinha dinheiro para ficar no resort. O Fabiano dormia no sofá”, continua.

Hoje a situação é mais confortável. São 32 patrocinadores privados com recursos captados through Lei Rouanet, do governo federal, da lei do ICMS, do governo do estado, e da isenção do ISS da Prefeitura do Rio. Para 2025, já foram captados R$ 43 milhões, o que permite executar os custos de R$ 40 milhões com a temporada de concertos e folha de pagamentos. O salário dos músicos, todos celetistas, também está em dia.

Segundo ela, 85% do funding dos patrocinadores vem por meio dos projetos educacionais promovidos pela OSB. “Se eu puder destacar uma marca da nossa gestão, foi a visão da educação musical. Foi a orquestra se permitir desempenhar um papel social como educadora para além de um grupo artístico.”

Desde 2017, a OSB não recebe nenhum apoio público. Apesar da temporada common de concertos em quatro casas – Theatro Municipal do Rio, Teatro Carlos Gomes, Sala Cecília Meirelles e Cidade das Artes -, o corpo musical não tem um native fixo para os ensaios.

“Muito do que diz respeito à crise da OSB está contido numa dificuldade de se compreender o papel da cultura na sociedade. É uma falta de compreensão mesmo de como a cultura pode ser um indutor de desenvolvimento, um catalisador de processos econômicos”, afirma.

Aos 85 anos, a OSB quer mirar a “flecha do tempo para o futuro” sem esquecer o legado. Cabral defende que o aparato tecnológico pode ser, sim, um aliado para a popularização da orquestra, mas diz que a música de concerto tem uma vantagem inata que faz com que ela proceed existindo: o sentir.

“Eu acredito que a mais valia do futuro é o sentir, é o sentimento. E a resistência tem muito a ver com essa dimensão da orquestra de ser um lugar de pensar e sentir. A música tem essa função de fazer com que a gente se lembre da nossa capacidade de sentir profundamente as coisas”, diz.

O calendário de comemorações prevê 50 concertos na Sala Cecília Meirelles, Theatro Municipal, Cidade das Artes e Carlos Gomes e planos para um grande present well-liked na praia de Copacabana com a cantora Marisa Monte.

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