A guerra entre Rússia e Ucrânia, deflagrada em 2022, e as ofensivas militares de Israel no Oriente Médio, intensificadas após o ataque do Hamas contra civis israelenses em 2023, dominam as manchetes e moldam a percepção do atual cenário. No entanto, esses não são os únicos conflitos em curso — ao redor do globo, outras guerras seguem ativas, embora recebam bem menos atenção.
De acordo com o Instituto de Pesquisa da Paz de Oslo (PRIO, na sigla em inglês), atualmente há 11 guerras em andamento no mundo. O dado faz parte do estudo “Tendência de Conflitos: Uma visão international, 1946–2004”, elaborado a partir das informações de 2024 do Programa de Dados de Conflito da Universidade de Uppsala, na Suécia.
O estudo considerou como guerra os conflitos que tiveram ao menos mil mortes no período de 2024, independentemente se dentro de um país ou entre nações. Confira a seguir quais são as 11 guerras que ocorrem pelo mundo:
- Ucrânia x Rússia – Guerra entre os governos da Rússia e da Ucrânia. Ainda ativa em 2025;
- Israel x Hamas – Guerra entre o governo de Israel e o grupo Hamas, na Faixa de Gaza. Ainda ativa em 2025;
- Israel x Hezbollah – Guerra entre o governo de Israel e o grupo Hezbollah, baseado no sul do Líbano. Ainda ativa em 2025;
- Burkina Fasso – Guerra entre o governo e o grupo ISIS-Sahel por controle de territórios. Ainda ativa em 2025;
- Mianmar – Guerra entre o Exército de Independência Kachin (KIA) e as forças armadas do governo. Ainda ativa em 2025;
- Paquistão x Afeganistão – Conflito entre os governos dos dois países, concentrado na fronteira. Ainda ativa em 2025;
- Somália – Guerra entre o governo e o grupo islâmico Al Shabab;
- Sudão – Guerra entre as Forças Armadas Sudanesas e o grupo Forças de Apoio Rápido. Ainda ativa em 2025;
- Síria – Guerra entre o governo e grupos rebeldes. O presidente Bashar al-Assad foi deposto em dezembro de 2024; não há notícias sobre continuidade desse conflito em 2025;
- Nigéria – Guerra entre o governo e o grupo Boko Haram. Ainda ativa em 2025;
- Etiópia – Conflito entre o governo e o grupo Fano. Ainda ativa em 2025.
Crescimento no número de guerras
Houve um aumento no número de guerras registradas na comparação do ano passado com 2023, de 9 para 11, com o início dos conflitos entre Paquistão x Afeganistão e Israel x Hezbollah (grupo político e paramilitar que atua no Líbano).
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Entre essas guerras, a da Síria não apresenta informações atualizadas sobre sua continuidade: após a deposição de Bashar al-Assad por forças rebeldes, o cenário permanece incerto.
Disputa entre as potências globais e o enfraquecimento de órgãos internacionais explicam o cenário atual desses conflitos, segundo Pedro Brites, professor de Relações Internacionais da FGV e co-autor do livro “Mundo em Crise: Uma Década de Transformação e Desordem nas Relações Internacionais (2009-2019)”.
“A gente vive um momento muito severo de competições entre grandes potências e de certa forma muitos países estão testando os limites da ordem internacional. Além disso, a gente tem um enfraquecimento do multilateralismo e das instituições internacionais, o que é uma causa e uma consequência. Assim, os países estão buscando soluções individuais para resolver seus problemas”, diz Brites
Em relação aos órgãos internacionais, o professor da FGV cita, por exemplo, que a Organização das Nações Unidas (ONU) “perdeu muita força na fiscalização de grupos armados dentro de alguns países, o que acabou estimulando que esses grupos buscassem seus objetivos pela força, como é o caso da Síria, Nigéria, Mali e Burkina Faso”.
As guerras que quase ninguém fala
O estudo aponta que 10 das 11 guerras registradas no ano passado acontecem na Ásia e África, enquanto apenas o conflito entre Rússia e Ucrânia ocorre na Europa. Nesse contexto, o professor destaca o desconhecimento da opinião pública sobre as maiorias das guerras atuais.
Brites explica que eventos em que há participação de grandes potências, como o conflito entre Rússia e Ucrânia, ou o envolvimento dos Estados Unidos nas ações de Israel na Faixa de Gaza, recebem maior cobertura midiática, enquanto outras guerras têm menos informações públicas.
Outro motivo sobre essa cobertura desequilibrada é que algumas regiões, como na África, são vistas como “naturalmente conflituosas”, o que implica em uma normalização de guerras que acontecem por lá.
“O nível de envolvimento das grandes potências acaba gerando uma repercussão mais representativa sobre os conflitos. Além disso, algumas regiões são colocadas, historicamente, na caixinha de serem naturalmente conflituosas, então não paramos para refletir e acabamos normalizando esses conflitos”, critica.
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A pesquisa estabelece que a guerra é subcategoria do conflito, que pode ter envolvimento de governos ou somente de grupos paramilitares. Diante disso, há duas classificações de conflito:
- Conflito baseado em estado: Uma incompatibilidade contestada sobre governo e/ou território, na qual pelo menos uma parte é um Estado e o uso de força armada resulta em pelo menos 25 mortes relacionadas às batalhas dentro de um ano civil. As 11 guerras se encaixam neste formato de conflito, pois em todas elas há envolvimento de forças armadas de um governo;
- Conflito não estatal: O uso de força armada entre grupos organizados, nenhum dos quais é o governo de um estado, resultando em pelo menos 25 mortes relacionadas às batalhas em um ano.
Em 2024, a pesquisa afirma que houve 61 conflitos baseados em estados em 36 países, um aumento em relação a 2023, que teve 59 conflitos em 34 nações. 2024 também marca a maior quantidade de guerras desse tipo desde 1989.
As mortes motivadas por esses embates também cresceram. Em 2023, eram 122 mil mortes, enquanto em 2024 foi registrado 129 mil, colocando este ano como o terceiro maior desde 1989. A maior parte dos 129 mil óbitos são das guerras entre Rússia e Ucrânia (76.000) e da invasão de Israel na Faixa de Gaza (26.000).
Já em relação aos conflitos não estatais, houve uma diminuição de 80 ocorrências para 74, assim como no número de mortes, que foi de 21.000 para 17.500. Em 2024, a maior dos conflitos está na África (41), enquanto a maioria das mortes está nas Américas (13.000).
No Brasil, por exemplo, foi registrado 1.566 mortes deste tipo de conflito, enquanto em 2023 marcou 2.305.
O instituto ressalta que muitos dos conflitos não estatais são de baixa intensidade e se repetem ocasionalmente, o que implica em grande volatidade de ocorrências a cada ano. Ainda assim, pontua que o número é “consideravelmente mais alto do que o observado na última década”.
*Estagiário sob supervisão de Diogo Max