Para os mercados financeiros domésticos, o grande tema das eleições do ano que vem é a política fiscal. Mas a preocupação com as contas públicas parece ter deixado de ser um tema só de países como o Brasil. Ao redor do mundo, vêm se somando os casos recentes de reações negativas dos ativos financeiros às perspectivas para o endividamento dos países.
Na semana passada, ações de bancos da França tiveram tombos em meio à crise política no país. O primeiro-ministro, François Bayrou, caminha para uma derrota na votação de confiança marcada para 8 de setembro. A iminente queda do governo, segundo analistas, reflete a enorme dificuldade de aprovar o Orçamento francês e indica que uma consolidação fiscal parece distante.
“Aumentou substancialmente o risco de queda do governo francês, o que também aumentaria o risco de o Orçamento de 2026 não incluir quaisquer cortes significativos nas despesas”, aponta a equipe do Rabobank.
Na semana, as ações do Société Générale caíram 8,92%; as do BNP Paribas, 8,11%; e as do Crédit Agricole, 8,65%. Os juros dos títulos franceses de dez anos saltaram aos maiores níveis desde março, a 3,514%. O CDS de cinco anos do país, referência do risco de calote, subiu 13%, a 37,41 pontos, no intervalo de apenas cinco dias.
No Japão, partidos de oposição vêm pressionando o governo do Partido Liberal Democrata (PLD) pela ampliação de gastos públicos. O PLD perdeu a maioria na câmara alta nas eleições do dia 20 de julho e novas eleições devem ocorrer em setembro. “Independentemente da estrutura governamental ultimate, acreditamos que a política fiscal está em um caminho mais expansionista, já que o público em geral expressou claro apoio aos partidos da oposição, que propuseram flexibilização fiscal maior do que a coalizão governista do PLD/Komeito”, apontam analistas do Barclays.
Na avaliação do banco, caso a expansão fiscal se materialize, a emissão dos JGBs provavelmente aumentará em vencimentos fora dos prazos mais longos, onde o equilíbrio entre oferta e demanda tem sido frágil. “Nesse caso, o ‘time period premium’ [prêmio exigido para carregar papéis ao longo do tempo] nos títulos longos teria espaço para subir na curva em relação aos de dez anos, e o aumento na oferta de dez anos elevaria os retornos no segmento de longo prazo”, afirmam.
O juro de 30 anos do título japonês superou os 3% recentemente, nos maiores níveis da história. Até mesmo os leilões de títulos mais curtos mostram alguns sinais de atenção. Na semana passada, a venda de JGBs de dois anos mostrou demanda bastante fraca.
O Reino Unido, que em 2022 enfrentou extrema volatilidade nos mercados de títulos pela proposta de expansão de gastos da então primeira-ministra Liz Truss, parece de volta ao debate fiscal. Um assume thank sugeriu à ministra das Finanças Rachel Reeves que o país deveria ampliar os impostos sobre os bancos pelas reservas que mantêm no Banco da Inglaterra (BoE). Isso daria mais espaço para o governo cumprir as regras fiscais. As ações do Lloyds caíram 3,38%; as do NatWest recuaram 4,85%; as do Barclays cederam 2,24% no pregão de sexta-feira.
Por fim, já há algum tempo a trajetória da dívida dos EUA é considerada insustentável. Durante a semana, o Escritório de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês) informou que as tarifas impostas pelo país a seus parceiros comerciais devem arrecadar um whole de US$ 3,3 trilhões nos próximos dez anos. A má notícia é que o montante servirá apenas para neutralizar a expansão fiscal promovida pela “Large Stunning Invoice”.
Isso deixará o déficit orçamentário praticamente inalterado, próximo de 6% do PIB — um patamar considerado inimaginável em um cenário de mercado de trabalho forte e economia em expansão. A política fiscal americana — aliada à guerra comercial e às investidas de Trump contra o Federal Reserve — levou o ‘time period premium’ dos juros de dez anos nos EUA aos níveis mais elevados desde 2014.
“A percepção do risco de longo prazo sobre os títulos do Tesouro está aumentando, o que poderia comprometer seu standing de porto seguro. Esse risco se reflete no aumento do unfold entre os rendimentos de 30 e dez anos desde o início do ano. O unfold foi, em média, de 47 pontos-base no segundo trimestre de 2025, subindo para 55 pontos-base em julho e agosto, em comparação com 19 pontos-base para 2024 como um todo”, apontam os economistas Anis Bensaidani e Céline Choulet, do BNP Paribas.
De acordo com o banco francês, o aumento do prêmio exigido para carregar o papel de dez anos da dívida americana corrobora essa visão. “No segundo trimestre de 2025, [o term premium] atingiu um nível não visto desde o fim de 2014. Isso mostra que o risco de longo prazo está se tornando mais caro, inclusive em vencimentos muito longos”, concluem.
O tema fiscal é um problema international e a margem para a leniência com as contas públicas é bem menor nos últimos anos. Não à toa, agentes estrangeiros têm se mostrado interessados nas perspectivas fiscais do Brasil, tema outrora restrito aos investidores residentes.
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